Poema psicodélico II

Numa tarde de verão em que passeava na
Varanda, Vanda Fernanda, tropeçou e escorregou,
Procurando o corrimão que seu pai ainda não pusera
Na escada, ela galgou de frente aqueles degraus, batendo
Os dentes, a mão espalmada que ia cumprimentado o piso
E por isso, somente por isso, sem muita explicação, ela aqui
Como Lula lá, perdeu um dos dedos da mão.

Mas acham que aquilo a abateu, não senhoras e senhores,
Vanda cresceu cada vez mais dona de si e de seu nariz empinado,
Seu jeito empertigado. Num passeio num dia nublado ela avista um cão, mas que coitada, debruçou-se para pegar um pedaço de pão para jogar ao animal, mas antes
De qualquer reação o bicho estava com os dentes cravados em sua orelha e a arrancou
Quase como um cirurgião, teve uma indigestão estranha ao mastigar
A orelha de Vanda, a explicação do dono do cãozinho aos policiais foi muito bem feita, soltou-se da garagem que o aprisionava, da corrente Que o castrava, soltou-se mesmo da mão dele  Ariclenes seu dono, Que negou a todo instante que tivesse sido negligente que aquilo fora apenas fatalidade e para a polícia mais uma formalidade do contidiano mal resolvida. E a menina sorridente Lhe via faltar parte do pavilhão auricular, para aquele que de sua beleza sentia Falta de alguma coisa, mas não sabia expressar o que, ela dizia, faz Mal não, Num país que se escuta tanta besteira, não sentirei tanta falta do órgão que não seja Por apenas beleza.

E lá seguindo ela foi para a faculdade, protestava por ter entrado
Através de cota para pessoas que perderam mais de um membro, ela entrou,
Mas protestou, chorou, e o pai a convencera, minha filha herdeira dos meus sonhos,
Papai é um pobre coitado que ainda sonha com os planos reformulados, e como não
Fomos contemplados nos outros planos de inclusão, se dê por satisfeita, acha que em
Outros países teria essa mamata? Acha que é assim na França, Bélgica ou Dinamarca?


Seu papai sabia argumentar, tanto que ela abdicou do sonho de ser atriz, e ainda em devaneio  por um triz  não foi colhida no meio da avenida por um caminhão dirigido por um bêbado que fora deixado passar por um guarda de trânsito que foi muito bem, “remunerado” Em horas extras durante o expediente de trabalho. Mas Vanda parece que
Por instantes perdeu a proteção dos anjos, ao passar por um lote baldio pisou num caco de vidro, e como não poderia ser internada no badalado Sírio, ela foi conduzida por um libanês que tinha um barzinho ali perto e por ele foi levada ao hospital local. Depois de perceber com muito sacrifício que o pé da moça estava sangrando, mas nenhuma artéria tinha sido atingida, a auxiliar da auxiliar foi dar outra acolhida a alguém que chegava com os bofes para fora, e Vanda? Ela foi liberada, mas no seu caminho tinha um enchente ela teve que mergulhar seu pé naquela piscina a céu aberto para ratos, ali estavam mergulhados a moral e a cidadania de uma república de bananas que só protesta quando seu time perde, sua escola de samba perde, mas quando é ela quem perde ela apenas chora e roga.

Numa noite Vanda teve gangrena, o médico que a atendera depois de dois dias
De corredor, da morte? Não do hospital mega lotado, a fez entender que a perna
Por inteira teria que perder, então como já tivera perdido ás lágrimas por tantos dissabores na vida, ela não viu motivo para sofrer. Passou um ano no hospital, depois
Foi reabilitar a vida, como se pudesse reabilitar o sorriso, os olhos marotos, e perdida em Pensamentos depois de uma longa sessão de fisioterapia ela senta-se na praça para degustar a Cerimônia do adeus de Simone de Beauvoir, pois ela de certa forma tinha perdido também entes queridos e precisava deles se despedir, foi nesse instante que lhe chega uma crente protestante, lhe entrega um bilhete e lhe diz aceite a palavra e morará no céu junto ao senhor e com ele terá intimidade. Então Vanda Fernanda indignada olha para a pobre que era mais coitada do que ela e diz: Meu bem, já tenho intimidade, e foi conseguida por prestação, esta vendo minha mão me falta o dedo, está vendo minha orelha já é difícil ser protetora de tantos segredos, está vendo isso aqui, não é perna, é prótese, então meu Bem, pode se dizer que do senhor sou íntima nem que seja a prestação.

Paulo Valadares

Este poema é dedicado a eterna Professora de Filosofia e atéia, mas que não gostava de ser chamada assim, dona Margarida. Ela dizia, sabe Paulo as pessoas ficam loucas, indignadas, mas fingem que são felizes, fingem, fingem sempre, o que importa é que tenho a liberdade.

Saudades! E me empresta uma xícara de café.



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