Sonho

Hoje peguei minha moto, tenho que fazer um pequeno aparte a respeito da motocicleta, eu tenho pavor de moto, se alguém me chamar para andar na sua garupa eu não vou nem para uma volta de um quilômetro, mas aqui estou andando e perambulando pela a cidade de moto, fingindo que a controlo, estou tentando curar meu medo, mas antes que me chamem de estranho, sigo a mesma teoria dos Psicólogos, pois acredito que todo psicólogo estuda psicologia para curar as suas próprias neuroses.
Bem, mas prosseguindo e parafraseando a canção do Paralamas do Sucesso, estava andando pela a rua com a maior fome, que saudade da comidinha lá de casa, é obvio que não estava chupando dedo, pois estava de capacete. Resolvi apear do meu cavalo de aço e teria que ser de aço mesmo, pois quem já me viu entende por que estou falando assim, então adentrei numa padaria para fazer uma boquinha, um lanchinho.
Essas padarias que mantém aqueles bancos e balcões ou tem mesas são fantásticas, tenho pra mim que se Sócrates o filosofo fosse nosso contemporâneo ele freqüentaria padarias ao invés de praças, mesmo por que o que menos se ver em praça são pessoas filosofando, mas é certo que ele seria adepto do estabelecimento preferido dos imigrantes portugueses aqui no Brasil, pois padaria respira filosofia, são verdadeiros manuais de sobrevivência nas grandes selvas de pedra, ou eram?
Antes você entrava em lugares assim as pessoas estavam conversando, algumas animadas, outras desabafando, outras tomando coragem para tomar o veneno que comprou e outros apenas observando, mas hoje em dia tudo mudou, você faz um giro com o olhar e vê pessoas isoladas mexendo nos queridos aparelhos celulares, ou devorando seus lanches e o tempo sempre sozinhas. Percebo na padaria que estava no canto superior um aparelho de tv a berrar sozinho tendo como telespectadores os azulejos, até que de repente meio que um chamado nacional adentra a tela, pensei, deve ser algo sobre a catástrofe no Rio de Janeiro, ou seria a Presidente Dilma em algum anúncio importante e vital para economia, não, não talvez seja...Era um apresentador que entrava na telinha e já ia cumprimentando, meus “heróis” dessa “nave”... Fiquei pensando se para o apresentador aquilo que se vê na tela é digno de classificar como herói, nem quero saber o que para ele seria vilões. Mas lá estão os bbbezinhos, bbbichinhos de estimação de grande parte da nação brasileira e que deve concordar com o apresentador quando ele os chama de heróis, pois nunca vi tanta gente carente de heróis, esperando que alguém apareça e resolva os problemas de todos. Aí seguiu o programa, a platéia toda prestando atenção, ouviam-se gritos e até uivos masculinos quando em panorâmica a câmara passeava por aquelas mulheres “saradas”, “siliconadas”, mulheres que pareciam ter sido criadas em cativeiro esperando justamente aquele momento, o momento da apresentação, e se ouvia os comentários grotescos, ora grosseiros da macharia de plantão, as mulheres que estavam no recinto gostavam quando a câmera focava algum homem na casa, mas eram mais contidas, no máximo sorrisos tímidos. Isso perdurava por muito tempo entre closes e focadas em assuntos bastante interessantes que os bróders trocavam, são heróis, estão salvando a população da monotonia das discussões familiares, de sair de casa e comer uma pizza com amigos, agora se come em casa, estávamos salvos por hora dos problemas de deslizamento de terra, de fome e de guerra, pois ali estava a imagem da casa dos sonhos de qualquer um, homens e mulheres bonitas, uma casa abastecida, com piscina, academia, sala de cinema, por que então se preocupar com os problemas aqui de fora, não é mesmo? O que tem um ex-governador que exerceu o cargo por apenas 30 dias receber uma aposentadoria de R$12.000,00, os heróis são heróis por isso, para me distrair disso tudo, dessa demagogia de político que sabe das tragédias anunciadas, mas como prevenir, estruturar não dá voto vem com demagogia e fica muito satisfeito que os heróis estejam realmente fazendo seu papel. Pois temem que o povo se revolte e se tenha uma nova queda da Bastilha. Mas seguindo do banco da padaria, assisti os hormônios masculinos gritando, embora seja homem confesso que não devoto paixão de espécie alguma a essas heroínas, pois não querendo ser repetitivo como tantos outros escreveram, eu gosto de mulher de verdade, mulher que malha os sentimentos, o cérebro, que goste de si por si, se assume mulher do jeito que é e não por imposição da moda, ou que queira fazer do corpo vitrine para uma escala social, mulheres que não põe bumbuns ou pernas no seguro, mas mulheres que coloquem segurança em seus sentimentos que cultive relações nas quais no máximo esperam, que sejam amadas, como amam. O que aqueles homens viam ali eram máquinas de sexo, talvez se convivessem numa relação mais duradoura com algumas delas não durassem o suficiente, pois seriam tomados por ciúmes, medo e insegurança. Certa vez uma amiga que é gorda e ela se define assim sem problema, me disse, olha eu não vou para academia, procuro me cuidar, não ganhar mais peso e controlar minha saúde, não farei nada para agradar ninguém, farei para agradar a mim. Ela é um das mulheres mais lindas que já vi, pois antes de olhar o esteriótipo eu vi o sentimento, a mulher, e percebi que o sujeito que namorar ou casar-se com ela terá a felicidade completa traduzida na mais fina alma feminina.
E, seguindo com o assunto se eu fosse desonesto poderia ter ido embora sem sequer pagar a conta, já que o atendente estava abstrato no aparelho, levantei-me paguei o que consumi conferi o troco para ver senão recebia nada errado e fui embora, carregava um sonho, aliás, dois, um sonho literalmente de padaria que levava para minha filha e um sonho de imaginação em que esse mundo, em especial este país seria realmente mais justo e que as pessoas parassem de sonhar os sonhos dos outros e tivessem seus próprios, que arregaçassem as mangas e não ficassem a espera de heróis. Sentei na minha moto e quando estava preste a sair senti um toque no meu ombro, e uma voz enfraquecida de um garoto sussurrou, moço me dê um dinheiro estou com fome, não tenho costume de dar dinheiro a quem me pede na rua, pois às vezes a gente dá e eles usam para consumir drogas, também não tinha mais dinheiro e lembrei-me do sonho que comprei para minha filha, passei o saquinho para o garoto com um pouco de pesar em ver nos seus olhos um brilho faiscante com as chegada das lágrimas, pois percebi que ele segurava o choro, ele em tão pouca idade já se considerava homem, ou ao menos era assim que a sociedade lhe fazia sentir, mas é certo que fiquei feliz ao passar o sonho para ele, pois aquele garoto ia dormir com a barriga um pouco cheia naquela noite e isso lhe daria direito de sonhar um sonho de imaginação com sorte um sonho real em que as coisas não sejam tão duras e que criança não foi feita para amadurecer e envelhecer o sorriso antes da hora. Talvez ele sonhe com o que ele via da calçada e que passava na TV, que os que alimentavam os sonhos dos nossos heróis eram quase sempre os mesmos que negavam sonhos de padaria para uma criança infeliz.

Paulo Valadares

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog