Então é natal

Quando eu era criança, até um pouco mais na adolescência eu tinha as comemorações natalinas como motivo de muita festa, os vizinhos sempre faziam suas ceias e isso significava que receberiam seus parentes, incluindo aí crianças da minha idade, pessoas com as quais tinha boas amizades, mesmo que fossem apenas amizades cultivadas e alimentadas no verão, pois geralmente eles moravam em outras cidades e alguns até mesmo em outros estados, o mais comum era Minas Gerais.
Uma coisa rotineira em todo natal além de shows globais de Roberto Carlos, era ouvir Antonio Carlos Jobim, nessa época de natal eram sempre tocadas canções dele, eu adorava, sempre sentia uma sensação gostosa, paz, tranqüilidade quando ouvia Jobim cantando, acho que a Bossa Nova teve essa finalidade, acalmar o mundo.
Natal na minha cabeça significava trégua, pensava que coisas ruins nessa semana não aconteceriam, pessoas não morreriam, que nada de ruim aconteceria em lugar nenhum, mas infelizmente eram apenas meus devaneios de crianças.
Na minha casa não tinha tradição de ceias, meus pais não tinham este costume, só no dia 25 fazíamos almoço, reunia-se a família, e eu adorava, eu gostava de ver a casa cheia com gente a entornar pela a varanda, pelo quintal, era uma enxurrada de novos rostos, era comum nessa época ser apresentado a novos parentes, alguns que inspirados pelo o espírito natalino e pela a mesma inocência que eu tinha de que nada aconteceria perto do natal vinham tentar a vida na grande São Paulo, que tinham os sonhos alimentados por fotos de casas e carros lindos enviados pela a “parentada” que vivia na capital.
Mas a vida seguia e o ano novo que anunciava meio com cara de ressaca, às vezes não vinha trazendo tantas esperanças assim. Mesmo sendo criança sentia que algo estava errado quando meu pai contava o dinheiro recebido no mês, coçando a cabeça ao mexer naquele monte de papel e tentando nos explicar por que não comeríamos carne, por que mamãe teria que remendar novamente nossas roupas e por que se quiséssemos brinquedos em nossos aniversários que raramente eram comemorados, teríamos que inventar, pois o dinheiro não poderia ser gasto com qualquer bobagem.
Meu pai estava quase sempre com o rosto carregado, mas sempre enfiando as mãos em seus bolsos achava as deliciosas balas de hortelã, minha mãe protestava, dizia que aquilo me tiraria o apetite, mas papai se divertia com minha alegria e dizia sempre, deixa o menino mulher, ele está feliz. Meu tio que morava conosco nessa época também traziam os chamados gibis, eu adorava devorava eles tomando água, uma mania besta, mas que me dava muito prazer na época.
Em casa apesar de ter pouco alimento e ser difícil ganhando tão pouco para abastecer as despensas, meus pais iam levando, e todo mundo talvez não comece o tanto que quisesse, mas tinha o suficiente. Íamos tocando os dias como se tocam os bois na estrada, casa cheia, apesar das dificuldades eram todos alegres, essa tal de depressão, doença desse século, não era comum nos meados do século passado, psicólogo eram coisa de gente rica com frescuras.
 Freqüentava a escola com esforço tinha meus cadernos, alguns dos anos passados, livros eram herdados dos meus irmãos ou de algum vizinho, ah e por falar em vizinhos, eu buscava leite, pão tipo bengala, açúcar para as vizinhas fazer aquele bolo gostoso e além de um pedacinho delicioso que ganhava eu também recebia uma pequena quantia pelo trabalho exercido, meus irmãos trabalhavam carregando sacolas das senhoras que iam a feira, outros moleques da rua engraxavam sapatos, outros tantos faziam também coisas ruins como roubarem e serem perseguidos pela a polícia, mesmo os honestos viviam  tremendo com medo da baratinha.
Mas aí  o ano segue e se anuncia o natal, e tudo dá-se trégua, papai que como por encanto ganhava um tiquinho mais no serviço e também recebia a tão sonhada cesta de natal, as coisas ruins não aconteciam, e assim novamente os vizinhos se preparavam para a ceia e lá em casa a gente se preparava para o almoço no dia de natal, e naquele dia se permitia ousar viver uma fantasia esperando a esperança que o novo ano traria na sua mais crua realidade.






Comentários

  1. Amigo... Me vi tanto e tanto nos teus natais que
    nem ousaria acrescentar algo mais. Meu Pai,
    Amado Pai... Todo trabalho, sem lazer! Nunca
    permitiu a fome, só a vontade comer. Tudo fez!
    Homem de mil instrumentos... Tantos aproveitaram!!! Vinham... Na garupa da Amizade
    (para mim sagrada), para eles, talvez, gratuita mesa.
    Porém, mesmo minha criança, sabia o suor e a
    lida... Guardo sempre em minhas lembranças!!!

    Deus te dê o céu, meu Pai... Mereces muito!!!

    Te agradeço Irmão... Pelo sentir tão meu,
    Alma imensa... Obrigado!!!

    Saudades!!!

    Beijo todo Carinho, viu...
    No teu Coração, Amigo meu!!!
    Iza

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